Jogos Olímpicos: o panorama da liberdade em Pequim

Criado por Letícia Castro em em 05/08/2008
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Antes e agora, as Olimpíadas em constante vigília

A poucos dias do início dos jogos, os hotéis ainda apresentam vagas disponíveis. Há cancelamentos de última hora. Estrangeiros desmarcam a tão sonhada viagem rumo à aventura olímpica, preferindo assisti-la de longe, pela televisão. O esforço do governo chinês para blindar o país à entrada de estranhos que possam mostrar ao mundo o que realmente acontece por lá parece estar funcionando. A festa em Pequim tem cara chinesa e, não fossem pelos demais atletas, se resumiria aos olhos rasgadinhos. A simpatia local conquista, o governo repele.
É de conhecimento geral que a China é uma nação de governo totalitário. Ainda que o país esteja vigorosamente se abrindo aos moldes da economia capitalista, as restrições de liberdade para o povo chinês não são obra de mera ficção. E o que é pior, parece que o povo aprova o regime e é até favorável as suas medidas. Estaria a China desenvolvendo um novo modelo autoritário respaldado no patriotismo? Ou o país ainda padece das conseqüências das décadas de repressão sob o regime nada permissivo de Mao? Qualquer que seja a resposta, o certo é que a maior população do planeta consente e ainda se mostra o mais forte aliado do opressor.

 

Citius, altius, fortius. Et liberius?*

O exército popular. Esperança de uma real abertura para o mundo?

Mas por que os estrangeiros evitam Pequim? A maior Olimpíada de todos os tempos não está fadada ao fracasso justamente porque se dá na China, o país mais populoso do mundo. Ainda que a presença internacional esteja sendo penalizada pelo veto generalizado à concessão de vistos, a população local dá conta do recado em número e disposição. As autoridades parecem ter consciência do fato e mais, apreciá-lo. Mostram ao mundo uma festa portentosa, cuja espontaneidade é questionável. Educado sob o cerceamento da liberdade individual, o chinês está acostumado inclusive às práticas de delação e é encorajado pelo governo que cobra dele a postura de vigia e informante da vida alheia. O conceito de privacidade é de difícil compreensão e os habitantes tiveram que aprender, por ocasião dos jogos, regras de etiqueta de como tratar um estrangeiro. Entre elas, não se deve indagar sobre o salário dos visitantes, sua idade (principalmente para as mulheres) e não estranhar o seu uso privado do banheiro que, até pouco tempo atrás, era compartilhado abertamente por todos.
O outro lado da moeda, a cartilha doutrinadora para o “forasteiro”, é o que realmente deixa o visitante apreensivo. Há regras absurdas que não cabem ao comportamento típico de um evento esportivo, como não poder levar bandeiras com mais de 2m, faixas ou pôsteres com conteúdo comercial ou crítico, apitos e outros adereços aos locais de competição. Também não é permitido tirar fotos com flash, nem vestir roupas iguais, salvo pelos uniformes dos atletas. Tudo isso muito bem explicado em um livreto com 22 restrições e 4 proibições, que está sendo distribuído no momento da compra de ingressos. “Todos espectadores estão sujeitos às regras que têm por objetivo manter a segurança e a ordem no local dos jogos”, declarou Huang Keyin, um representante do comitê Olímpico à Xinhua.
Como se não bastasse, há medidas restritivas antes mesmo do embarque. Portadores do HIV ou doenças sexualmente transmissíveis, pessoas com “intenções subversivas”, além de mulheres “propensas à prostituição”, não conseguem o visto. Muito menos o governo chinês explica como avalia as intenções de subversão e prostituição. É tudo baseado em um feeling quase místico que sinceramente cheira a má vontade de acolher os mais diversos povos em terras nacionais. A penalidade também se estende aos artistas alguma vez envolvidos em mobilizações políticas ou pró-libertárias. A cantora islandesa Björk, por exemplo, está banida de ir ao evento por ocasião de um show em Hong Kong, no qual protestou a favor da libertação no Tibet. As razões para tal postura são óbvias, a pujança econômica da China não se reflete nos direitos do cidadão e, por costume ou medo, a população endossa.
O desafio da imprensa
A imprensa internacional também está em apuros em Pequim. A cobertura ampla e completa dos jogos é monitorada por agentes dos governos, da mesma maneira que restringem o acesso à internet aos cerca de 210 milhões de internautas locais. O governo autorizou um abrandamento da censura em prol da competição, já que não se tem acesso aos principais portais de notícias, como a BBC e a France Presse. Só não garantiu que a “abertura” seria estendida à população.

Para se ter uma idéia, os chineses não podem acessar sites de participação livre, como a Wikipédia, ou meios de comunicação e plataformas de hospedagem como o Blogspot e WordPress. E-mails, blogs, comentários, tudo é monitorado por alguém, numa rede de 30 mil censores incumbidos da missão. A televisão ao vivo tem um atraso de 9 segundos para que o censor tenha tempo de cortar a transmissão e impedir que alguma notícia considerada imprópria seja veiculada.

Em 08.08.08, começam os Jogos Olímpicos de Pequim. E, ao que tudo indica, o telespectador verá, à distância, apenas o que o governo local permitir e a imprensa estrangeira se arriscar a mostrar. Fora isso, estaremos impedidos de apreciar a contento a maior e mais cara Olimpíada da história. Esta é só para chinês ver.

 

Nota: *”Mais rápido, mais alto, mais forte”, o lema olímpico. Et liberius?: “Mais livre?”
Aqui se fala português
Comentários (22)
  1. Andre comentou, em 05/08/2008:

    Excelente abordagem ao tema!
    Parabens pelo texto!
    Torcemos para que nao sejam liberadas somente as imagens dos escorpioes e grilos sendo vendidos no espeto…

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  2. Jhonny Rotten comentou, em 05/08/2008:

    Eu na minha opinião vai acontecer de tudo nessas olimpiadas, onde pode até sai vários fiascos

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  3. Wander Veroni comentou, em 05/08/2008:

    Oi, Letícia!

    Inacreditável como um governo acredita que é coerente inibir os meios de comunicação para obter segurança e organização. Eles esquecem que as pessoas comentam, que tem sentimentos e que pensam?

    Nossos colegas da imprensa vão tirar leite de pedra nessas coberturas. Creio que os videomakers amadores, aqueles das câmeras de baixa resolução, é que vão poder nos mostrar a real desse evento.

    Sensacional a sua reportagem-post!

    Bjs,

    =]
    ________________________________
    http://cafecomnoticias.blogspot.com

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  4. Marcelo comentou, em 05/08/2008:

    A China inaugurou uma modalidade de sistema de governo que é o neocomunismo oportunista. mantém-se o mesmo estado opressivo e centralizado dos tempos de Mao, mas agora quem mantém esse sistema é uma minoria de endinheirados que acumulam grande parte da riqueza de um país que olhado de perto é tão ou mais desigual do que países de 5º mundo da África.
    Maquiaram um pais para torná-lo palatável ao mundo… Encerrados os festivos, voltamos à barbárie dos paredões e outras bizarrices…

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  5. Bertonie JVinee comentou, em 05/08/2008:

    PRIMEIRO COMENTÁRIO!!!!!!!!!
    A China vive uma verdadeira ditadura. Meu Deus. Fiquei impressionado quando eu vi. Não tem tv ao vivo lá por causa da censura. Nem internet o chinês tem direito. E os chineses ainda aceitam isso numa boa.
    Belo post. Adorei!!!
    xD
    passa no meu, acabei de publicar um novo post. :) (:
    xD
    abraços

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  6. Bertonie JVinee comentou, em 05/08/2008:

    SEGUNDO COMENTÁRIO!!!!
    Bom, eu sou de Feira de Santana, uma cidade próxima a Salvador, capital. Vc falou pra eu explicar direitinho meo nome? Meu nome completo?-João Vinycius de Jesus Kodeshet Bertonie

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  7. Bertonie JVinee comentou, em 05/08/2008:

    Ah! Meu aniversário é dia
    13/11
    Tá longe aindaa

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  8. Bertonie JVinee comentou, em 05/08/2008:

    Eu? Judeu? Não!!!
    Só herdei esse sobrenome dos meus avôs paternos.
    Eu sei que eles não eram do Brasil, mas não tenho muitas informações deles não.
    Só tenho um baú que era deles e que é passado de pai pra filho. Mas eu não posso abrir. Nem sei o motivo!!

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  9. Lucas Fernandes comentou, em 05/08/2008:

    Olá Letícia,

    Bem, vou por partes. Com relação ao governo chinês e seu regime totalitário, devemos enxergar um pnto importante – o como se deu a revolução socialista campesina na China. Mao introjetou no país um forte sentimento patriótico, perdido nas fracassadas batalhas da Guerra do Ópio.

    Isso, aliado a conservadora cultura chinesa, fez com que o Grande Timoneiro conseguisse impor um regime de medidas socialistas e pensamento nacionalista. A população colabora com o regime, por cultivar os ideais do livro vermelho e os pensamentos do líder Mao.

    A fim de esconder as barbáries daquele que fora o governo mais violento de todos os tempos, o PCC reforçou a censura e trabalhou nos chineses a xenofobia através do medo da barbárie. Isso se refletiu e chegou a nós.

    E a imprensa paga pelo pensamento inescrupuloso dos atuais membros do Partido, que assim como Mao, não querem perder o poder e o controle das finanças. A saída: fazer da China uma potência para o mundo e uma utopia para os chineses.

    Excelente reportagem!

    Ah! Além do post novinho, tem um sobre a preparação da China para as Olimpíadas. Dialoga em parte com o seu.

    Até.
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    http://semfronteirasnaweb.blogspot.com
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  10. Edu França comentou, em 05/08/2008:

    Essa organização dessa Olimpíada está me parecendo o show de Treuman, comadre!

    Acho muito estranho realização de um advento democrático de celebração do convívio humano num regime fechado e autoritário. Só a força da economia crescente da China pra arrastar a esse ponto, mas enfim vai ser um advento midiático inusitado, pago para ver!

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  11. Karla Nogueira comentou, em 06/08/2008:

    Olá Letícia,

    parabéns pelo artigo, ficou ótimo!
    É por isso que não dá para entender, a não ser por razões econômicas, um evento como as Olimpíadas ser realizado em um país como a China.

    Abraços

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  12. DuDu Magalhães comentou, em 06/08/2008:

    O capitalismo selvagem exercendo o seu poder…

    E que venha à copa de 2014 :D

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  13. Alex comentou, em 06/08/2008:

    Parabéns pelas palavras. E, assim como a Bjork, eu também não esqueci do Tibet. De tudo isso fica uma pergunta: será que, de fato, vale a pena realizar um evento que tem como ideal o contrário do que a China é?
    Creio que não foi à toa a escolha da China como país seda, isto é, seria uma tentativa de abrir o país, no sentido de rever seus ideais. Mas parece-nos que isso não ocorreu e talvez será preciso mais que uma Olimpiada para isso.

    ———————————
    http://soperspectivas.blogspot.com/

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  14. Michell Niero comentou, em 06/08/2008:

    Vejo a China como uma grande bomba atômica, diferente daquela que arrasou Hiroshima, é certo. É uma bomba de impacto cultural, onde bilhões de pessoas, de uma hora para outra, passaram por uma revolução de hábitos e de costumes.

    A China talvez seja a única nação “femista” (contrário de machista), por exemplo. Diferente do que acontecia no século XX, a mulher trata o homem como um objeto, por ele serem a esmagadora maioria, e as consequências culturais ao homem já são sentidas.

    Creio que já não cabe tachar a China de comunista. Muito pelo contrário. Pelo sistemas repressores, pela economia neoliberal e pela coisificação do ser humano, tudo isso indica qwue estamos diante da maior potência capitalista já criada.

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  15. Riso Certo comentou, em 06/08/2008:

    se eles podem, pq o rio de janeiro n pode?

    ^^

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  16. blog comentou, em 06/08/2008:

    Os chineses, Letícia – e eles propagam isso -, não querem saber de liberdade. Eles querem ganhar dinheiro e ostentar riqueza. Por isso trabalham num ritmo incompatível com o resto do capitalismo.
    É algo desenfreado, obsessivo, alucinante. Uma folga por dia num mês. Loucura (para nós).

    Para eles, destino.
    Nunca pensei que pudesse dizer isto, mas torço inadvertidamente para que os EE.UU. massacrem os chinas nos jogos.
    Esperemos.

    Não gosto dos chineses. Sei que é até pecado não gostar de tanta gente ao mesmo tempo.

    Abraço

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  17. O Profeta comentou, em 06/08/2008:

    Ai quem me dera agitar o tempo
    Atirar a mágoa à voragem da noite
    Arrancar as raízes ao pensamento
    Sentir a paz que uma lagoa acolhe

    Boa férias

    Mágico beijo

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  18. daniel comentou, em 06/08/2008:

    Como sempre mandando bem nos posts, ou melhor, nos artigos. Sempre muito ricos e bem feitos. Parabéns!

    Quanto ao artigo, na minha mais crua e precipitada análise. Essa edição dos jogos olímpicos tem tudo pra ser muito chato pelo clima de terror instalado, sem falar que nós ocidentais vamos acompanhar tudo por compactos televisivos…

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  19. Beth Cruz comentou, em 07/08/2008:

    A China é um país que não me transmite confiança.
    Acho que o dia que ela for a primeira potência Mundial, teremos saudades do tempo que os EUA foi primeira potência.
    Mesmo diante de toda arbitrariedade do governo americano em relações as divergências políticas com outros países, com seu povo o governo é devoto, e como recíproca, o povo Americano é o povo mais patriota que conheço.
    A china por sua vez não tem respeito nenhum com seu povo. Quem dirá com o resto do mundo!
    Abraço Leticia
    Belo post!
    Beijo

    Responder
  20. Arnaldo Reis Trindade comentou, em 07/08/2008:

    O que posso dizer?

    Bom amiga, pra mim a China é o país mais capitalista e autoritário do mundo, falam mal dos norte-americanos mas tem 1 milhão de brasileiros vivendo lá e apesar de muitos viverem mal nos EUA, muitos também se deram bem, enquanto na China só entra quem tem dinheiro, quem realmente tem dinheiro, els não precisam de gente na China, precisam de dinheiro e mão de obra especializada, vão controlar o mundo em breve e isso causará uma séria e gravíssima guerra, fico preocupado com o mundo, pense o que Chineses,os líderes chineses irão fazer com o controle da economia e uma aumentado de seu arsenal bélico?

    O EUA por mais poderoso que seja militarmente, vive em crise desde de 1929,certo que nós não à vemos, mas ela existe e eles tentam a todo custo se controlar e controlar a economia mundial.Já a China quer destruir o que os outros tem para que eles comprem nas mãos deles,exemplo as guerras civis patrocinadas pelo governo chinês na Africa e na Asia, a xenofobia chinesa que vem de Mao e por aí vai.
    Fico preocupado com isso.

    Abraço e parabens pelo post

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  21. SILVIA comentou, em 07/08/2008:

    Oi minha filha,

    O que eles fazem é uma vergonha um desrespeito para com todos os atletas do mundo que estão lá para dar o sangue pelo pais de origem, mas o que esperar de um povo que tem por alimento coisas tão nojentas e absurdas que nem vale a pena comentar aqui. Espero de coração que tudo saia bem, pois a preocupação com todos os atletas é enorme e que todas voltem para suas casas sãos e salvos. Parabéns pela matéria mais uma vez meu amor.

    beijos com muitas saudadesss…

    tu mamita

    Responder
  22. Dark Diva comentou, em 09/08/2008:

    Olá!
    Antes de mais nada, parabéns pelo artigo, muito bem redigido e um assunto bastante polêmico.
    Eu acredito que a população da China mudará de pensamento com estas Olímpiadas. Com a entrada de turistas, eles terão contato com o capitalismo muito mais forte do que já tiveram, principalmente na questão da submissão feminina.
    Essas olímpiadas certamente deixaram uma cicatriz bem profunda neste País e mudanças serão inevitáveis.

    Responder

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