Dois anos após a estreia, Selma Reis ainda lota a casa com seu O Cabaré de Florbela

Cartaz da apresentação de ontem, em São Paulo

Nada mais belo do que quando uma mulher se veste de mulher. É isso o que Selma Reis tem feito em seu espetáculo “O Cabaré de Florbela”, há dois anos em cartaz. No show, ela canta alguns dos sucessos de mais de duas décadas de carreira, com uma pegada romântico-erótica de arrepiar os corações mais céticos. Tudo entremeado pelos sonetos densos da poetisa portuguesa Florbela Espanca.

Quando perguntei à Selma, na apresentação da noite passada em São Paulo, como havia se dado o encontro entre as duas, ela respondeu que a identificação foi natural, em se tratando de duas mulheres fortes. Sobre o nome do espetáculo, Selma explicou que preferiu “cabaré” a “torre”, que talvez represente o lado mais sombrio e sofrido da sonetista, porque Florbela também tem humor e erotismo. “Ela tem uma sensualidade que as pessoas geralmente não sacam e eu percebi essa parada”, disse animada. Concordei.

Para quem não está familiarizado, Florbela Espanca foi uma poetisa nascida em Portugal, que alcançou uma certa popularidade no Brasil quando Fagner imortalizou seu “Fanatismo” na música de mesmo nome (“Minh’alma de sonhar-te anda perdida. Meus olhos andam cegos de te ver…”). No mais, sua obra costuma ficar reclusa por aqui entre os amantes da boa poesia que, fatalmente, acabam, por sorte, tropeçando em seus sonetos quando também são apresentados a Neruda ou Pessoa, por exemplo.

“Mme. Espanca”, como eu a chamo na intimidade, ou Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, veio ao mundo nos últimos anos do século XIX, e sua vida orgulharia a mais engajada feminista. Três casamentos, uma bem-sucedida carreira de publicações em jornais e revistas da Europa e o reconhecimento como uma das mais notáveis poetisas em língua portuguesa, Florbela sucumbiu à tristeza da perda do irmão e se suicidou aos 36 anos de idade.

Dizer que ela estava à frente apenas de seu tempo não me parece acertado, já que sua obra atemporal continua causando rubores com seus versos notadamente eróticos, como bem pontuou Selma. Durante o show, a cantora faz, com capricho, o recorte dessa característica e transforma a melancolia, também inerente à Espanca, em leveza. A plateia, sala cheia, canta junto e se envolve com as palavras. Florbela renasce.

De arrependimento mesmo, tive apenas pelo registro fotográfico não feito do momento em que a cantora sutilmente encaixa uma flor vermelha no decote (“Trago dálias vermelhas no regaço… São os dedos do sol quando te abraço, cravados no teu peito como lanças!”). Não deu tempo.

Se você também quer ver de perto essa preciosidade de espetáculo, fique de olho na agenda da cantora em sua página do Facebook (clique aqui para saber mais). Mas, primeiro, faça a tarefa de casa e leia Florbela para entender as volúpias do roteiro. Acredite, você irá me agradecer.

Imagens: Divulgação e Letícia Castro