Beatles: 40 Anos Depois Do Fim – A Minha História Com Os Fab Four

Criado por Letícia Castro em em 14/09/2010

Abbey Road, capa

O ano de 2010 marca o quadragésimo aniversário do fim da maior banda da Terra. Há exatamente 40 anos, os Beatles anunciavam que o sonho tinha acabado. E, ainda hoje, como naquela época, todos os dias um novo adolescente descobre a genialidade dos quatro garotos de Liverpool. Relato pessoal, no meu caso foi bem mais cedo.

Yo amo a los Bítles, diria a Mafalda, e devia ter uns três anos, no máximo, quando uma revelação me arrebatou para sempre. Sentada no tapete da sala da casa da minha avó, no bairro do Belenzinho, em São Paulo, brincava despercebida quando, de repente, uma canção na TV me pôs em transe. A memória clara daqueles segundos em que levantei a cabeça e fiquei olhando, com cara de boba, para o monitor, tem me acompanhado pela vida inteira. Começavam os primeiros acordes de Michelle e um fusquinha escuro parava diante de uma casa, em uma cena de novela. Podia ser da Globo, podia ser da extinta Tupi – aí é querer demais! – mas o quadro nítido continua perfeito ainda hoje. Lembro-me exatamente dos primeiros acordes e da voz do Paul McCartney nas primeiras palavras e aí já era tarde. Somebody sang and I went into a dream.

Dizem as boas línguas que, antes disso, eu já saía pela casa cantando O Vira, inteirinha e, enquanto o gato preto cruzava a estrada, nascia a minha paixão por boa música e mascarados. A minha Beatlemania vem daí, mas representava muito mais do que isso. Naquele instante mágico, as duas características mais marcantes da minha personalidade tomavam forma: eu queria falar como aquele moço e ia ser dependente de música para o resto da vida. Nascia o meu amor pelas línguas e a minha adoração sagrada pela mousik?.


Passeata de protesto liderada por atrizes em 68 – na foto: Eva Tudor, Tônia Carreiro, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengel (Foto: Ziraldo)

Mas, não bastava apenas curtir as músicas, eu precisava mergulhar naquele mundo, conhecer e entender tudo sobre aquela banda que diziam ser a melhor do mundo, eu precisava de uma roupa ácida multicolor across the ocean. Teria que esperar, então, comecei pelos discos. É, discos, vinil, bolachas quebráveis e guardadas em algum cofre secreto da minha vida. Por ironia, o primeiro disco dos Beatles que ganhei foi o último, o Abbey Road (o último gravado pela banda, mas lançado antes do Let it Be) e é para contar essa saga que começa este relato.

Eu tinha 11 anos e minha tia me deu dois discos dos Beatles de presente de aniversário: uma coletânea e o Abbey Road. A cabeça girou e lá fui eu, outra vez, para dentro do caleidoscópio. O engraçado é que, quando você quer muito alguma coisa, “o universo conspira a seu favor”, diria Caetano, ou alguém mais ilustre, antes dele. E então, do nada, a Band, logo antes dos episódios do Agente 86 (e viva Mel Brooks!), passou a transmitir um programinha musical que sempre exibia uns quatro ou cinco clips dos Beatles, no final. Isso era religioso: tomava banho, almoçava e corria para a frente da TV, para assistir os dois programas, antes de ir para a escola. Os clips e a série já me davam uma boa picture do que haviam sido aqueles revolucionários anos 60. E, assim, eu ia pela minha trip de cara limpa.


A coleção dos 13 álbums originais dos Beatles. Clique na imagem.


Aos 14, decidi, seriamente, completar a coleção. Não ganhava mesada e não dava para pedir grana o tempo todo para comprar disco. Na mesma época, fui chamada para dar aulas de monitoria na escola onde estudava inglês e ganhar um trocadinho com isso. Na verdade, desconto na mensalidade, mas, como era minha mãe que pagava e eu que trabalhava, ela não achou justo ficar com a graninha e repassava tudo para mim. Não era muita coisa, mal dava para comprar um disco, então comecei a dar aulas particulares de “absolutamente qualquer coisa” em casa. De inglês à matemática à alfabetização de adultos (e isso merece outro post gigante), o que aparecia, eu tascava.

E uma vez por mês, ia com o coração na boca, a uma mesma loja de discos, no Shopping Center Norte, comprar mais um LP. Os long-plays eram comprados pela ordem cronológica. Como eu já tinha o último, ficava fácil, Please Please Me, With the Beatles e assim por diante. O vendedor já me reconhecia e até me dizia qual seria o próximo, no mês seguinte. Eu já sabia, pois naquele álbum de coletâneas, havia um encarte e foi olhando as capas dos discos que tive a ideia de montar a coleção. Ele até me ajudou uma vez, quando levei o dinheiro contadinho para comprar um disco, mas a inflação sabotou o meu planejamento e ficou faltando algo como R$2,00. Deixou que eu levasse o LP e disse para eu pagar no mês seguinte. Um mês depois, não quis aceitar o dinheiro. E assim passei o ano. Era 1987 e o Sgt. Pepper’s cumpria duas décadas. A história deu uma mão gigante a minha vida de tiete-estudiosa-colecionadora.


Encarte e letras de músicas do Sgt. Pepper’s


Chegou o fim do ano e faltavam dois álbums para completar a coleção. Explicando: são 13 álbums originais, tirando as coletâneas, bootlegs, etc. etc e, quando percebi, o ano já tinha acabado e ainda precisava comprar mais dois discos. Em 88, comecei o 2o. grau em escola nova, aí a atenção teve que se focar em outra coisa. Era época de pensar no que eu queria ser quando fosse gente grande. Eu já sabia, óbvio: jornalista para escrever uma biografia autorizada do velho Macá. Mas, o estudo me levou pelas mãos e, enquanto escutava os discos na minha vitrolinha do Mickey, estudava para o vestibular.

A faculdade veio e mais interesses desviaram minha atenção. Eu me correspondia com um garoto inglês, do norte da Inglaterra, já há alguns anos e não via a hora de conhecer o velho continente, a terra dos meus avós, aqueles outros países que tanto contribuíram para a história da humanidade, entre os quais, obviamente, a ilha britânica. Quase deixei por último, last but not least.

Quando cheguei em Londres, no Eurostar, um flashback tomou conta dos meus sentidos. Enquanto o trem ganhava as paisagens nada exuberantes da campanha inglesa e singrava pelo meio das cidades, aquelas mesmas da Revolução Industrial, com casinhas geminadas, lado a lado, uma com a cara da outra, me lembrava de tudo o que tinha vivido até ali: aquele era, ao alcance da mão, o maior sonho da minha vida. Quando o trem finalmente chegou em Londres e pisei em solo inglês, a primeira coisa que fiz foi dar um telefonema pra casa: Mãe, eu tô em Londres! E as duas começaram a chorar.


A famosa faixa de pedestres na Abbey Road (Foto: FlickR)


Amei a cidade, do reconhecimento do que já tinha visto à distância até a visível sujeira do metrô, by the way. Conheci meu amigo, foi tudo mágico. Ia ficar poucos dias, então tive que acelerar: precisava conhecer o que desse, correr por tudo, andar de “táxi rabecão”, ver a rainha, bowler hats (too much Mary Poppins!), London Tower, Hyde Park, Big Ben e… me esqueci da Abbey Road. Não, não tirei meus sapatos e atravessei a rua. Ainda. E era preciso fazer compras também, queria um pedacinho de tudo: jornal, roupa, perfume, provar a comida (eca!), tudo! Mas, tinha alguma coisa a mais para comprar… o que era mesmo?

Foi aí que a ficha caiu. Lá estava eu, no meio de Picadilly Circus, quando uma loja de CDs me saltou berrante aos olhos. Eu me lembro de ter entrado assoviando uma música dos fab four (enquanto tocava Duran Duran, na verdade) e parecia que aquele instante tinha sido reservado para mim. Alcancei os dois CDs que faltavam para a coleção – Magical Mystery Tour e Yellow Submarine (eu tinha desistido de seguir a ordem depois do Sgt. Pepper’s) – e saí, carregando o meu tesouro na sacolinha. Não tinha planejado isso. Aliás, em algum lugar recôndito da minha memória, havia ficado marcado que ainda era preciso comprar dois álbums. Já tinha ido a várias lojas de CDs durante a viagem, tinha ido à Virgin Records, na Oxford Street, com o meu amigo, que era louco pela Madonna, e não havia me lembrado. Um dia antes de ir embora, o destino me prega essa peça e os dois CDs vieram comigo no avião, dentro da bolsa, junto com a carteira, o dinheiro e os documentos.

Hoje, a feliz proprietária de “toda a coleção dos discos dos Beatles”, ainda tem alguma coisa para contar. Um estádio, um show numa cidade da América do Sul, e um papinho, falando como aquele moço, com aquele moço. Mas, isso fica para outra oportunidade, porque agora colorín colorado. Eu só espero que, realmente, daqui a 40 anos, 40 séculos e muitos milênios to come, mais adolescentes de todas as idades sejam sugados por um caleidoscópio maluco e se permitam navegar no submarino amarelo.

And in the end, the love you take…

Aqui se fala português.
Comentários (14)
  1. Marivan comentou, em 15/09/2010:

    Olá Leticia, Realmente essa turminha marcou sua época e são sucesso até hoje,
    a maior besteria forem ter falado aquela asneira que eram mais famosos que JESUS CRISTO,

    parabéns pela postagem e obrigado pela lembrança,
    abçs e sucesso sempre,

    MARIVAN

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  2. Ana Lucia Nicolau comentou, em 15/09/2010:

    Oi Letícia, realmente, Beatles é Beatles…
    Os verdadeiros artistas são imortais e, portanto serão sempre reconhecidos por 40 anos, 40 séculos e muitos milênios pelo que representam no que fazem…é o caso desses 4 maravilhosos artistas que formaram essa banda.
    bjs

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  3. LETÍCIA CASTRO comentou, em 15/09/2010:

    Oi, meus amigos queridos, que bom ter vocês aqui!

    Marivan, pode ficar tranquilo então. Esse é um dos enganos mais comuns da história dos Beatles.Foi o John que fez essa declaração e não com o intuito que parece. Ele estava, na verdade, criticando a mass media e toda a histeria em volta deles, porque, na verdade, ele já estava cansado daquela vida (a música Help! era um pedido de socorro mesmo) e daquela loucura toda e o que quis dizer, foi exatamente isso: que a loucura era tão desmedida, que a mídia massacrava tanto eles que naquele momento eles pareciam até mais populares que Jesus Cristo. Eu me lembro de um tio meu contando que queimaram discos nas ruas aqui, como protesto, mas foi um grande erro de interpretação e ele acabou sendo vítima daquilo que criticou na declaração.

    Obrigada pelo teu comentário e pela chance de poder desmistificar uma passagem tão delicada na história dos caras. : )

    Ana, é verdade, não tem igual, né? Eu amo esses caras e não tem jeito, não. rs Saudade de vc, viu?

    Uma beijoca especial para os dois!

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  4. Jucifer comentou, em 15/09/2010:

    naum adianta mesmo
    Beatles é eterno
    amo aquela foto deles atravessando a rua
    aindo vou tirar uma assim hehehe

    bjim guria

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  5. Max Martins comentou, em 15/09/2010:

    Oi, Letícia

    Muito boa a sua história! Me vi em vários momentos dela, mas não curti tanto os Beatles como tu. Embora, goste muito das músicas deles. Quando tocava em bares, eles eram muito bem vindos…hehehe. Impressionante.

    Quanto a serem mais populares do que Cristo, além de terem interpretado mal, John Lennon tinha razão. Se pararmos pra pensar que em termos de massa e do tipo de mídia, com certeza eles tiveram um alcance mais rápido que Cristo. Me corrija se estiver errado.

    Bjs

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  6. Antonio Regly comentou, em 15/09/2010:

    Letícia,

    Curti um pouco dos Beatles na minha infância e às escondidas porque meu pai não aceitava aquele tipo de música na casa.
    Não tenho como não lembrar dos bons momentos em que ficava ouvindo escondido. Minha mãe dava uma cobertura, pois acho que ela também gostava dos garotos.

    Para mim, a melhor de todas, Something.

    Linda sua história!

    Abraço

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  7. LETÍCIA CASTRO comentou, em 16/09/2010:

    Oi, meus amigos queridos, eu sei, é repetitivo, mas vcs são queridos mesmo! rs

    Jucifer, tenho certeza de que vc vai tirar. Se quiser, podemos ir juntasa, arranjamos mais duas pessoas e fica tudo certo!

    Max, vc está certíssimo, a ideia é essa mesmo, a do alcance e a falta de privacidade, que tanto incomodova o Lennon. Na verdade, quem segurou os Beatles até 70 foi o Paul, porque ele queria pular fora depois do Revolver, não suportava a pressão. O Lennon sempre foi o mais sensível e “difícil de lidar” dos 4, nesse sentido. Enfim, gênios! rs

    Antonio, que delícia, vc teve a oportunidade de viver um pouquinho nessa época e sentir na pele o que acontecia por aqueles dias, tão efervescentes culturalmente, mas tão complicados no cenário político nacional. Imagino o que era um garotinho ouvindo Beatles às escondidas, acobertado pela cumplicidade materna. Quer coisa mais maravilhosa? : )

    Uma beijoca carinhosa aos três e amei os comentários, viu?

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  8. Mayara Caparroz comentou, em 16/09/2010:

    Oi, Lê!

    Nossa, desde que eu me conheço por gente, ouço Beatles – culpa dos meus pais, rs! Tenho todas as músicas baixadas no meu pendrive (já que não acompanhei a época dos LP’s, pois eu não era nem nascida, rs!) e ouço até hoje.
    Meus amigos acham “brega” ou idiota, mas eu não tô nem aí! Eles é que não tem cultura… Poxa, é Beatles! hehe

    Beijocas, saudades! =)

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  9. Andre comentou, em 17/09/2010:

    Excelente post!
    Realmente é surreal conseguirmos “botar as mãos” em nossos sonhos!
    Beijos

    Responder
  10. LETÍCIA CASTRO comentou, em 17/09/2010:

    Oi, meus amores, como é bom ver os comentários de vcs aqui!

    Pois é, menina, muita gente não entende, né? E tb está cercado de tanto lixo que acaba não conseguindo distinguir o que é bom e isso é muito triste. O lance é que os Beatles criaram praticamente tudo da cultura musical pop e a galera, por não ter noção disso, acha que o que eles faziam não era especial, afinal, todo mundo faz igual. Mas é exatamente isso: foram eles que inventaram, não é mesmo? Muita gente não tem nem ideia de que foram os Beatles que fizeram o primeiro videoclip da história da música. Mas, enfim, revolta de tiete. hehehe

    Eu tb estou com saudade, vou visitar a sua casinha hoje. ; )

    Beijocas!

    Dé, vc sabe que eu adoro os teus comentários. Fico mega feliz quando encontro um aqui, porque são comentários de propriedade e tem todo o carinho que o teu support me dá. É uma chancela que eu preciso e fico esperando, não tenha dúvidas, viu? E adoro ter vc por aqui. ;)

    Beijinhos carinhosos!

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  11. ARAÚJO comentou, em 27/09/2010:

    Lembro de conhecer formalmente esse quarteto de Liverpool, ao mexer na gaveta de cds do meu avô e me deparar com um dos Anthology. Foi amor a primeira vista, depois daquele encontro comprei todos os cds, alguns LPS, livros, bonecos, camisetas, tinha até um caderno com tudo que achava deles copiado a mão.
    Lembro até de pegar o dinheiro pra pagar uma coisa na escola, e comprar o Love. HAHAHAHA segredinho. Se bem, que eles mereceram, por através de toda sua obra e postura, ajudarem a abrir minha cabeça para várias coisas no mundo.

    http://www.teoria-do-playmobil.blogspot.com

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  12. Strawberry Beatles Forever comentou, em 04/10/2010:

    Grande Novidade do Momento

    Galeria de camisetas dos Beatles e outras bandas de rock.
    http://www.elo7.com.br / strawberry fields shop

    Aguardo visitas, comentários, sugestões…
    anthoniobarros@gmail.com

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  13. Flávya Pereira comentou, em 13/07/2011:

    Que post lindo. Que relato lindo. Que história linda! Fiquei emocionada, de verdade, ao ler isso. Eu não sei o que Deus reserva pra mim, mas sei que não ouço Beatles desde pequena por acaso. Como eu sou de 87, eu peguei a coisa mastigada. “Twist and shout” foi a primeira canção que ouvi daquele quarteto tão famoso que ouço falar desde a primeira infância. Mas foi mesmo, aos 22, que eles me pegaram de jeito. Daí, será pra vida toda…rs! Amei Letizia!!!

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  14. LETÍCIA CASTRO comentou, em 14/07/2011:

    É isso mesmo, morequinha. Deus sempre recompensa aqueles que entregam seu coração de verdade ao que amam e, quando o caso são os Beatles, tem uma mágica a mais. E, pode ter certeza, se você foi picada… :)
    Eu é que fiquei emocionada com o seu comentário, viu? Beijones!

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