Babel, o soneto
A foto é bastante sombria, mas, se nos lembramos do mito da torre de Babel, relatado no livro bíblico de Gênesis, nos daremos conta de que a imagem traduz, com certa fidelidade, o que ocorreu por aquelas paragens.
Menos obscuro que a narrativa é o presente que o Babel ganhou ontem mesmo do poeta paulista Erickessen Sauer (heteronômio) que encontrou no Facebook o meio mais propício para disseminar sua obra.
Sauer faz sonetos clássicos* tal qual você e eu respiramos, querido leitor, e seu tributo a este blog, com um versão própria da Babel, muito nos honra. Veja aí:
Babel
Dos corpos quem rolam nas poeiras do tempo banhados pelos sol e lua
Somente tu não ouves só tu não vês encantos e feitiços eras em conflito
Destes de beber fel a derrota cegando olhos na fumaça do ente maldito
Porque não permaneces onde estás guardando os homens a carne crua
Horror invade essa casa de névoa a qual jamais se deseja encontrar nua
De qual lugar eles vêm para reverem torre ao muro que a defende invicto
Tais estranhos quem rondam na vigília da casa em busca do amor infinito
Pois este dom é língua universal igual à uma mãe amamentando filha sua
Da madrugada não sentes o frio sopro mortal não esfria o chão das raças
Lençóis do leito nupcial ante mãos poderosas sufocam voz calada à lança
Quem entre eles pode gerar do barro filho do Homem entregue às traças
Morte varões acorrentados vinga ao amor pelo sangue da morta vingança
Ódio o pai por desonrada obsessão oculta que olhos vêem ante desgraças
Céu e terra olham pecado do destino quem matou as mãos da esperança
Erickessen Sauer (heteronômio)
Elucidando o enigma
E para você que, assim como eu à primeira vista, pode ter tido uma impressão assustadora da leitura, em privilégio único – já que os artistas não são dados a explicar a própria criação – o poeta esclarece o que quis dizer. Leia o poema de novo, com a linha elucidativa abaixo de cada estrofe:
Dos corpos quem rolam nas poeiras do tempo banhados pelos sol e lua
Somente tu não ouves só tu não vês encantos e feitiços eras em conflito
Destes de beber fel a derrota cegando olhos na fumaça do ente maldito
Porque não permaneces onde estás guardando os homens a carne crua
(Deus permanece indiferente ao árduo trabalho.)
Horror invade essa casa de névoa a qual jamais se deseja encontrar nua
De qual lugar eles vêm para reverem torre ao muro que a defende invicto
Tais estranhos quem rondam na vigília da casa em busca do amor infinito
Pois este dom é língua universal igual à uma mãe amamentando filha sua
(Fé sem obra não subsiste-se dentro de si mesma.)
Da madrugada não sentes o frio sopro mortal não esfria o chão das raças
Lençóis do leito nupcial ante mãos poderosas sufocam voz calada à lança
Quem entre eles pode gerar do barro filho do Homem entregue às traças
(Por descumprirem as leis dos profetas, surge a discórdia.)
Morte varões acorrentados vinga ao amor pelo sangue da morta vingança
Ódio o pai por desonrada obsessão oculta que olhos vêem ante desgraças
Céu e terra olham pecado do destino quem matou as mãos da esperança
(Tudo que começou foi destruído sem um recomeço.)
Ficou mais claro agora? De qualquer forma, a arte pertence aos olhos de quem a vê, ou lê, portanto, se você quiser lançar mão de outra interpretação, fique à vontade.
O BABEL.com aproveita a oportunidade para agradecer mais uma vez à generosidade do poeta por ter nos dedicado tamanho presente. O Olimpo é teu, mestre.
*O que é um soneto clássico?
Segundo Amorim de Carvalho, em Tratado de Versificação Portuguesa (Lisboa, Universitária Editora, 1987, p. 106), o soneto clássico se caracteriza por conter quatro estrofes isométricas de dois quartetos e dois tercetos, em um total de 14 versos. A transposição das rimas acontece da primeira para a segunda quadra e do primeiro para o segundo terceto, formando um modelo “ABBA ABBA CDC DCD”.
Jamais veremos algo tão sublime onde a cultura interage com a leiguice formando um quadro de rara inspiração poética.
A Poesia ainda move o mundo.
Move, sim, poeta. E tu és uma valorosa mola propulsora. Beijos.
Tudo o que é agressivo ao nosso ser torna-se uma Torre de Babel infinita entrando por gerações após gerações como poeira ao vento, penso eu.
Dust in the wind. All we are is dust in the wind…