Dia dos Namorados: de como decifrei o sorriso de Mona Lisa

Criado por Letícia Castro em em 12/06/2008


Esta crônica saiu de um papo com o Matheus, do Matheus’ Tape, sobre um de seus posts e uma experiência minha. Matheus, foi assim que aconteceu, tim-tim por tim-tim, exceto por algumas “hipérboles”.

“Numa luta de gregos e troianos/Por Helena, a mulher de Menelau/Conta a história que um cavalo de pau/Terminava uma guerra de dez anos.” (Zé Ramalho) (1)

Quando eu era criança, queria ser arqueóloga. Nem meu pai, que, ao me dar uma coleção de livros, logo depois que aprendi a ler num gibi do Cebolinha, sabia disso, até agora. Por causa dela, eu acabaria virando uma c.d.f., uma nerd mesmo e os livros, meu objeto de desejo por toda a vida. A tal coleção trazia uma enciclopédia de história e geografia e eu me apaixonei. Mas não pretendia ser uma arqueóloga qualquer não, eu ia descobrir a Atlântida (que também estava no livro)! Com o tempo (e a falta de uma faculdade de arqueologia no Brasil), o ímpeto se diluiu e decidi ser jornalista, afinal poderia escrever sobre todas as coisas, inclusive sobre o reino perdido. Minha mãe costuma dizer que “quem gosta de velharia é museu”. Ela também diz “muchotequierogaticoperoerpanpoquito” (assim mesmo, tudo junto, com sotaque andaluz), mas isso é uma outra história. O fato é que eu amo coisa antiga e também amo museu. E foi assim que levei minha alma empoeirada até o Louvre (2), o panteão da cultura ocidental.

Há que se explicar, o Louvre é gigantesco. Decidi então separar uns dias para explorá-lo como se deve. Estava terminando a faculdade e, depois de sucessivos “acidentes amorosos”, vi que era melhor negócio me dedicar à formação profissional (tudo balela, por dentro eu queria outra coisa…). Visitar aquele museu seria o ápice. Para se ter uma idéia, a minha “vida amorosa” até aquela época era mais ou menos assim: Sapos 4 x 0 Príncipe. Por isso, o melhor a fazer era visitar o Louvre e fugir de confusões anfíbias. Mal sabia eu que estava prestes a descobrir um segredo universal e outro particular, e que já não sairia de lá a mesma.

O Museu do Louvre, em Paris, sempre foi para mim muito mais do que um depósito de velharias. Antiga residência de alguns monarcas da França, ao entrar, fui arrebatada por visões preconcebidas, nas quais o sangue dos Médicis (3) jorrava pelas escadas e Nicolau (4) ensinava à Catarina astutamente que “o mal se faz de uma vez” e “o bem se dá aos poucos”. E também não tinha a mínima idéia do tamanho do acervo de tesouros antigos que o museu hospedava. Vi no guia: coleção egípcia e greco-romana no subsolo. Como assim??? Mas aí já era tarde e eu já estava possuída. Aí eu era o Indiana e ta-ta-ta-tááá… ta-ta-táááá! E acabei passando a primeira tarde entre múmias e protegendo a Vênus de Milo. Exausta de brincar, enrolei o chicote e voltei para o hotel. No dia seguinte, uma nova visita: eu ia conhecer o quadro mais famoso de todos os tempos.

Recomposta das aventuras e trajando meus 22 anos, voltei ao Louvre. Agora eu era a profissional, que analisaria com olhar crítico a famosa Mona Lisa, a questão da trindade e as colinas da Toscana ao fundo. Eu propus, mas aquele lugar encantado dispôs, como quis, de mim. Quando finalmente ganhei o corredor que abrigava a pintura, qual não foi a decepção, ao constatar que, a obra em si, era minúscula. Pelo menos para mim, que esperava uma tela maior, dessas convencionais, digna de alojar uma obra-prima. Mas não, a Mona Lisa mede algo como 0,77cm x 0,53cm, é de pequena dimensão. Além disso, uma muvuca de gente impedia a sua visão. Fiquei irritada. Às favas com esse risinho besta! Tudo o que eu tinha passado pra chegar até ali! Dei as costas para a Gioconda.

Foi aí que aconteceu. Ali, bem ali, na frente da maior obra de da Vinci, estavam eles, quietinhos, despercebidos e a sós, como haviam lutado tanto para estar. Cheguei pertinho e o olhar de Páris para Helena (5) me derrubou. Assim, em poucos segundos, eu tinha entendido o que era o amor. E reformulei toda a minha vida amorosa: a partir daquele momento, eu só ia me entregar de novo aquele que me olhasse com os olhos de Páris. Porque agora eu era Dulcinéia e Inês e Maria Bonita e não poderia me contentar com menos! Tinha esperado por isso a vida inteira.

Olhei para trás e vi a Mona (éramos cúmplices a essa altura), sorrindo. Ela sorria porque era guardiã do maior sentimento do mundo. Sabia que Páris e Helena eram dois fora-da-lei. Helena fora raptada por Páris e, por isso, Tróia sucumbira, ao aceitar o “presente de grego”. Heitor, o mais bravo dos troianos, pagaria com a vida (assassinado cruelmente por Brad Pitt) pelo desatino do irmão. Mas os amantes escapariam à fúria de Menelau (6) e pediriam asilo no Louvre, protegidos por um sorriso que, despistando a toda a gente, acobertaria o amor-bandido. E Páris poderia, enfim, apreciar Helena pela eternidade, vencido pelo amor da quase deusa. E a Mona, gentilmente, não me devorou.

Quanto a mim, dizem que vaguei desnorteada pelos corredores do museu, procurando a saída, com o meu shortinho azul florido. Dizem também que algumas lágrimas cobriam o meu rosto e o meu coração ardia no peito. Tudo lenda urbana. Hoje vivo até que bem, em uma capital da América do Sul. Com o tempo, Páris se encarregou de mandar um de seus filhos. E, hoje, Dia dos Namorados, olhos de contemplação acompanham um caminhar. E Helena, agradecida, lhe entrega os seus passos.

Referências que ilustraram essa crônica:

(1) música: “Mulher nova, bonita e carinhosa faz um homem gemer sem sentir dor” (Zé Ramalho)
(2) Museu do Louvre: conheça a história de um dos lugares mais significativos da Europa.

(3) Família Médicis: sobre a história da família florentina
(4) Nicolau Maquiavel: biografia do pensador
(5) pintura “Amores de Páris e Helena“, de Jacques-Louis David. Coloquei a referência aqui, para não influenciar o leitor.
(6) filme: “Tróia”, de Wolfgang Petersen, com Brad Pitt e Orlando Bloom
Aqui se fala português

Comentários (23)
  1. SILVIA comentou, em 12/06/2008:

    Letícia minha filha querida.

    Acabei de ler esse texto em voz alta, para que a Silvia (nossa secretária) também pudesse ouvir. Acabamos o texto, eu e ela chorando, pois o sentimento de amor que transparece nas suas entrelinhas, tenho certeza é muito maior do que o de Páris por Helena. Assim como você, Páris se encarregou de mandar um de seus filhos para mim, seu pai, que por muitos e muitos anos e até agora depois de passados 35 anos, continua a me olhar igual. Parabéns mais uma vez e sei que vou repetir essa palavra pelo resto da minha vida. Dê um beijo enorme no Luciano e, que você, continue a ter esse olhar te olhando e que você também olhe igual.

    Com amor incondicional

    su, mamita

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  2. Rodrigo Piva comentou, em 12/06/2008:

    Lindíssima crônica!
    Parabéns!

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  3. Newton Flamarion comentou, em 12/06/2008:

    Nossa esse texto é enorme, mas como sabemos hoje é dia dos namorados vale expressar amor em qualquer forma que puder rs.

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  4. Sammyra Santana comentou, em 12/06/2008:

    Não sei s eme emociono mais com seu texto ou com o comentário de sua mãe aí em cima…
    É “amor que não se pede, amor que não se mede, que não se repete, amor”… rsrs
    Abraços!

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  5. CAJAL Müller comentou, em 12/06/2008:

    nossa leticia, vc escreveu com intençao de fazer chorar, nao é? rsrsrs…adorei!

    bjs.

    pq vc nao coloca o halos?

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  6. MatheusS comentou, em 12/06/2008:

    Já sabes que acho linda a tua história com Páris =)
    Nada mais comovente do que um momento de amor, desses mais simples, desses que marcam para sempre.

    E olha só, quer dizer então que, além de Helena, você é também a ‘Rosa do PP’ do seu marido? HuahuaH, que ótimo hein?!
    Adorei saber,
    Um beijão!

    Matheus.

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  7. Wander Veroni comentou, em 12/06/2008:

    Oi, Letícia!

    Adorei ler nesta crônica a sua história com o Luciano cheia de referências: uma história por trás de uma outra história.

    Vc me fez acreditar no amor, pois neste momento ando un tanto desiludido sobre este sentimento. Ainda não encontrei a minha Fiona, mas sei q vou achar…e ela deve estar esperando por mim, em algum lugar do mundo, quem sabe…

    Pode parecer viagem minha, mas Paris tem um quê diferente de qualquer outro lugar do mundo, um charme, um mistério, um enigma. Parece q as coisas, de uma maneira divina, irão se resolver por lá.

    Qdo assisti (e li) O código Da Vinci e (vi) a 6ª temporada de Sexy and the Citty fiquei pensando nisso sobre esta cidade. A história da humanidade está guardada nela, como se fosse um convite para descobrismos o segredo do mundo, solucionar os nossos próprios mistérios e resolver tudo.

    Nunca liguei para o dia dos namorados. Mas este ano me senti sozinho, não pelo fato comercial do presente, mas pela falta de não ter uma companheira no qual a gente possa rir do mundo juntos e contar piadas sem graça um pro outro.

    Seu texto me animou muito. Me fez ter fé novamente. Tb estou a procura deste sorriso ou dessa face que me fará perceber que é impossivel ser feliz sozinho.

    Ai, ai, ai….depois da sessão desabafo…rs…lhe convido para passar no Café, pois fiz um post dedicado ao fotojornalismo. É um assunto q merece ser discutido e comentado. Tenho certeza q vc vai gostar!!!

    Ah, o comentário da sua mãe foi lindo. Manda um bjão pra ela!!!

    Bjão e um abraço pro Luciano!

    Parabéns ao casal, feliz dia dos namorados!!!

    =]
    ________________________
    http://cafecomnoticias.blogspot.com

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  8. Sammyra Santana comentou, em 12/06/2008:

    Oi linda! Obrigada pela visitinha!
    Já linkei teu blog e pode ficar à vontade pra linkar o meu aqui! Para mim, será uma honra!
    Beijo

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  9. Sara Albuquerque comentou, em 12/06/2008:

    Letícia… :)
    12 de junho – uma data capitalista feita para expressar os relacionamentos amorosos. Mas para que é romântico como nós, que importam as datas, não é? Todo dia é dia dos (e)Namorados!^^
    Espero um dia poder conhecer o Louvre, com toda a perspicácia e clareza de detalhes que você o deslumbrou. Um dia, com condições financeiras suficientes, quero estar lá: apreciar o sorriso da Mona Lisa, ser sua cúmplice e sua admiradora. Guardaremos juntos o amor de Páris e Helena, prometo. E acredito que até lá, terei encontrado um de seus filhos. Nunca se sabe. :)

    Muito sucesso, linda!
    Cativa-me vir aqui.

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  10. Conquistadores (Didixy) comentou, em 12/06/2008:

    Nossa. Muito bonito o texto que vc escreveu. Gostei demais e um modo de expressar amor nesse dia de hoje.

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  11. Gilberto Puppet comentou, em 13/06/2008:

    Nunca saí do Sudeste, mas incrivelmente eu viajei pelos corredores do Louvre junto contigo. Até senti o cheiro deles.

    Passarei mais por este sítio.
    Beijos!

    Responder
  12. Jana Moraes comentou, em 13/06/2008:

    Simplesmente perfeito…

    Passa na Maçã, tem post fresquinho…

    http://macacomlimao.blogspot.com

    Responder
  13. Karina Castro comentou, em 13/06/2008:

    Nossa Letícia, que crônica linda, talvez seja a mais interessante e inocente que já li! Parabéns!

    Menina,essa crônica mais o seu depoimento sobre as suas aulas de fotografia da faculdade, fizeram-me virar sua fã! A descrição que vc fez sobre o processo de revelação e ampliação foi extremamente sensacional e nostálgica. É incrível, mas me senti no laborário revelando e ampliando as fotos. Que saudade da faculdade, das aulas de fotografia, do filme…ai!!!

    Saiba que fiquei super emocionada com o seu comentário no meu Flickr. Obrigada mesmo! Vc não faz idéia do quanto suas palavras alegraram meu coração.

    vc compreendeu bem a minha mensagem na entrevista…precisamos de mais sensibilidade no olhar.

    Isso mostra que além de termos em comum o sobrenome, a profissão e a paixão pela fotografia, temos uma linha de pensamento mto parecida.

    Passarei mais vezes por aqui!

    Bjo,

    Karina Castro http://www.flickr.com/photos/fotomaniaca

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  14. Zúnica comentou, em 13/06/2008:

    A minha posição ceticamente iconoclasta sempre reagiu causticamente com minha idalização romãntica. E a idealização romântica sempre conflitou com minha posição anti-amor. O romantismo vem da lascívia, do engano, do mistério, que nada tem a ver com Páris e Helena.

    O sorriso enigmático de mona Lisa nada é perto do sorriso sensual de Marilyn.

    “Beauty lies in the eye of the beholder”.

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  15. carla m. comentou, em 13/06/2008:

    Comadre!

    Só a beleza do amor inspira tanto. Estou aqui deliciada, já que sinto em todos meus poros o que tu colocaste no papel de forma tão magistral.

    E não é que uma amor leva à outro. eu comecei a gostar de história graças ao Indy (aliás, mal posso esperar pra conseguir ver o IV, mas agora minha cabeça não deixa) e foi esse amor que me fez entender gente que já se foi há séculos e me tornar cúmplice delas. Tudo isso pra te dizer que acho que te entendo.

    E só pra te consolar, eu cursei as disciplinas de arqueologia (que são obrigatórias na história) e confesso que achava bem mais divertido ir ler no arquivo, do que cavar pra achar caquinhos que eu levaria meses pra decifrar. Mas é tudo uma questão de gosto.

    beijos comadre!

    Responder
  16. carla m. comentou, em 13/06/2008:

    ah sim, gracias, muchas gracias por Clarissa…

    muita gente comentou comigo depois que leu o livro graças ao teu link.

    beso!

    Responder
  17. Andre comentou, em 14/06/2008:

    Simplesmente belissima! A intertextualidade e a descricao deram o tom perfeito!
    Felizes sao os que podem se definir, sem medo, como Paris e Helena – como voces, como eu!
    Parabens!
    Beijos de Simi, Grecia.

    Responder
  18. Cleidemar comentou, em 14/06/2008:

    fiz historia 2 anos de historia..pretendo um dia voltar a fazer para mim mesmo…nao para ser professor…

    a historia e a geografia sao fantasticos..penas que sao poucas as pessoas que gostam…

    segundo herodoto…

    qm começou com os rapitos( q nao verdade nao eram rapitos de mulheres, pois elas entravam de livre vontade nos navios), nao foi troia, e sim os gregos, e inumreas vezes….

    Responder
  19. Juan Trasmonte comentou, em 14/06/2008:

    Belíssima crónica, companheira. Meu lado mais Cioran lembra o Dia dos namorados (da minha vida no Rio, pois aqui só em fevereiro e sem muito barulho) como um pequeno inferno de restaurantes lotados e shoppings querendo que eu compre até as escadas rolantes…
    Mas meu outro lado fica emocionado, afinal o romantismo é o que nos-sustenta.
    Beijos

    Juan

    http://nemvem-quenaotem.blogspot.com/

    Responder
  20. Thiago Borges comentou, em 14/06/2008:

    Belíssimo… no meu caso, tenho a certa impressão de que a Monalisa dá um sorriso debochado de todos nós, como se risse da nossa incapacidade de entender alguma coisa. E fim ao dia comercial dos namorados… a data verdadeira dos amantes é em 14 de fevereiro.

    bjo

    Responder
  21. Lidianne Andrade comentou, em 17/06/2008:

    ops
    muito legal seu coment e seu blog é tudo
    estudou mto para escrever, hein?
    beijos!!

    Responder
  22. Lidianne Andrade comentou, em 17/06/2008:

    apesar de nao gostar da data, muito bom o post
    tenho q reconhecer q tem gente q sabe ver algo de bom em um dia tao meloso
    bjos!!

    Responder
  23. Nuno comentou, em 20/06/2008:

    Oi, Letícia, tudo bem?

    Antes de qualquer coisa, muito bom o post. E obrigado pela gentileza de me desejar um bom dia 12. Mesmo atrasado, desejo o mesmo para você e para a outra metade do casal! =]

    Há um tempo que eu não passava por aqui. E foi bom voltar e ler o que você escreve. Ando meio “agarrado” (como diríamos em Minas) com um projeto aqui e mal tenho lido boas coisas na net. E nem atualizado o 6+7. Mas um dia eu atualizo…

    Aproveito para desejar um bom fim de semana. Cuide-se!

    Beijo!

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