A escolha do presidente e o efeito jabuticaba

Criado por Letícia Castro em em 22/10/2014

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Da série: “textos que eu gostaria de ter escrito, mas fico feliz por alguém ter feito isso por mim”. Com este comentário, compartilhei, há um par de horas, o post da jornalista Regina Azevedo, doutora em Psicologia, e formada em jornalismo pela renomada Universidade de São Paulo. A “Rê”, como a chamo carinhosamente na rede, é professora do Programa de Educação Continuada da Poli (a Escola Politécnica da USP) e a repetida citação à universidade já poderia induzir o leitor mais desavisado ao erro: “ih, lá vem texto de comuna”, já que a casa é conhecida como tradicional reduto de militantes de esquerda.

Não. A reiterada menção se deve apenas a uma questão de contextualização do que vocês estão prestes a ler, com o esforço de mostrar que as aparências enganam. Tampouco se trata de tentar afirmar que a professora seja uma “coxinha” (termo pejorativamente utilizado para denominar os não-eleitores do atual governo) embandeirada, bem-sucedida na vida e, portanto, digna defensora dos interesses da tal “elite paulista branca”, outra alcunha exaustivamente repetida pelos meios.  Regina, como ela mesma se autodefine em outro brilhante post no “Face”, é apenas uma brasileira, testemunha ocular do passar dos tempos e acontecimentos de seu país, pelo qual levanta a voz. E o que ela diz soou tão relevante e verdadeiro que me pareceu honesto dar-lhe um lugar de destaque no BABEL.com, com a devida permissão da autora, e convidá-los tanto à leitura como à reflexão.

Está aí, a quem interessar possa.

A escolha do presidente e o efeito jabuticaba

Por Regina Azevedo

“Correu pela rede a história do menino que ganhou uma bacia cheia de jabuticabas, e de início, as devorou mesmo sem fome, sem consciência nem prazer. Quando restavam poucas, prestou atenção no delicado sabor da fruta e começou a apreciá-las, uma a uma, bem devagarzinho…

Estou nesse momento de vida. Estive pensando e terei o quê? Mais três ou quatro eleições em que ainda terei força e esperança para votar de maneira a melhorar nosso país? Depois disso, serei uma velhinha improdutiva, com a mão estendida à caridade pública do fator previdenciário.

A exemplo do Brás Cubas de Machado de Assis, “não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. Mesmo assim, tenho descendentes, sobrinhos, alunos, jovens amigos. E para eles, gostaria de deixar um legado que não fosse miserável, mas promissor, rico e profícuo de ideias e de realizações.

Os que acreditam na meritocracia, o fazem por experiência própria. Meu pai era um jovem com curso primário, que aos 17 foi “exportado” de Bagé para Sampa, para que seu “padrinho” (que ela jamais conhecera) o encaminhasse na vida. Serviu o Exército, se engajou, em seguida, na Força Pública. Quando extinta, teve de escolher entre a Polícia Civil ou a Militar, optando pela primeira.

Trabalhou incansavelmente. Nunca tivemos luxo – JAMAIS tive férias enquanto criança ou adolescente,as pouquíssimas viagens que fizemos foram de finais de semana, a mais distante para Campos do Jordão, quando tinha 8 anos. Também não tínhamos roupas da moda, sequer livros que não fossem os “obrigatórios”. Nada de cinema ou teatro. Fome não passamos, aliás, sempre moramos e comemos muito bem, graças ao esforço de meus pais e às prioridades que eram por eles impostas.

Segui seu exemplo, ele não me deu opção. Ou eu entrava na USP (sempre estudei em escola pública) ou parava de estudar, porque ele dizia que não iria pagar por meus estudos, já que pagava os impostos para que houvesse escolas públicas e era nelas que eu deveria estudar. Que me esforçasse para conseguir meu lugar, pois ele já cumpria com sua obrigação.

Entrei aos 17 na faculdade. Às 6h00 saía de casa e me dirigia ao ponto de ônibus para tomar o Jaçanã/Cidade Universitária, porque, se não pegasse o das 6h20, chegava atrasada na aula. Este foi o começo da minha trajetória, que foi bem mais suave que a de muitos, mas que também teve seus perrengues.

Cresci independente e responsável por meus resultados. Comecei a trabalhar aos 20 e nunca mais pedi um centavo a meus pais. Devido a este histórico de vida, é na meritocracia que acredito. Assim como acredito que os supremos mandatários da nação precisam, sim, oferecer as condições básicas – e não as mínimas! – de sobrevivência a todo brasileiro, para que possamos superar o nível de subdesenvolvimento, oferecendo a todos oportunidades para que mostrem seus talentos.

O que mais me incomoda, é o discurso da esquerda bem alimentada por “justiça social”. Conheço um bocado deles e não vejo ninguém contribuindo para uma causa social, doando seu tempo, seus saberes ou, pelo menos, um pouco de seu dinheiro. Porque eles parecem não ligar para dinheiro, desde que não envolva o seu próprio. Acham que tudo se resolve através da cobrança festiva da “justiça social” na pele de nossos governantes. Tratam os miseráveis deste país como bandeira, às vezes como escudo; referem-se a “eles” como se não fossem uma questão a ser resolvida “aqui, agora”, mas em algum lugar distante nos rincões do nordeste “lá, alhures”.

Eu vejo a pobreza por toda parte, vejo a miséria, o flagelo humano traduzido também na violência e nas drogas, espalhadas pelas grandes cidades. Não acredito na reversão do atual estado das coisas através das mesmas pessoas. Sou adepta da máxima: quando se faz a MESMA COISA, obtém-se sempre o MESMO RESULTADO. Então, é preciso fazer diferente, numa palavra: MUDAR.

Não sou filiada a partido, porque essas instituições, no Brasil, são uma piada. Ou viram ícones “religiosos” ou se prestam a atribuir status a quem deles participa. Não trabalho para nenhum candidato, como aprendi com meu pai, trabalho por mim e por aquilo em que acredito, que está longe de estar contido num ou noutro plano de governo. Acredito ser necessário mostrar aos políticos que eles são nossos funcionários e que podem ser demitidos em vez de nos tornarmos reféns de suas falas terroristas de que “o mundo vai acabar se X não for reeleito” ou de que “Y é o “demônio encarnado.”

Já vivi bastante e ainda quero viver um pouco mais. Minhas jabuticabas estão acabando, vou defender cada uma delas como se fosse a última e aproveitá-las ao máximo.”

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