Gentileza não se apaga

Criado por Letícia Castro em em 28/07/2008

Quem éesse cavaleiro andante, em plena cidade contemporânea, a conduzir seu estandarte cheio de apliques, metendo-se pelos lugares, a levar sua palavra? De início, chega-nos sua estranheza, seu “deslocamento”, antes, até de sua gentileza. Vê-lo com sua bata branca pela rua é ter contato com uma figura que nos parece extemporânea. Não de um futuro, mas de uma voz que ecoa, bizarramente, um sagrado que não se mostra mais.” (Leonardo Guelman, em “Brasil Tempo de Gentileza”) Em cerca de 1,5km, pintadas em 56 pilastras, estão as frases de um dos maiores fenômenos populares do Brasil, o profeta Gentileza. José Datrino, o Gentileza, nasceu em Cafeilândia, interior de São Paulo, em 11 de abril de 1917, mas foi no Rio de Janeiro que encontrou o berço ideal para uma missão que já se anunciava desde os tempos de infância. Aos 12 anos, dizia, para o assombro dos pais que teria que “ter uma família, ter filhos, construir bens, mas que, um dia, teria que deixar tudo”. A epifania se deu em 1961, quando do incêndio do “Gran Circus Norte-Americano”, uma das maiores tragédias circenses do mundo, que matou por volta de 500 pessoas. Datrino, já estabelecido no Rio, era um empresário do setor de transportes. Após o incêndio, disse ter ouvido uma mensagem astral que o impelia a começar sua missão na Terra. Abandonou tudo e foi viver na rua, pregando o amor, expresso na forma gentil de tratar o próximo. Por quase quatro décadas, Gentileza percorreu as ruas da capital fluminense, apresentando-se como representante de Deus e anunciador de um novo tempo. O apelido veio justamente da expressão que usava para chamar as pessoas. Chegou a ser internado três vezes em hospitais e voltava a ganhar as ruas, quando os médicos atestavam que não tinha distúrbios psicológicos. Os próprios médicos questionavam se o profeta estava ali para ser curado ou para curar os outros, já que os pacientes ficavam a sua volta, ouvindo suas pregações. Aos que o apontavam na rua e o chamavam de louco, respondia: “maluco pra te amar, louco pra te salvar”. Criava provérbios e máximas e andava pela cidade ensinando o valor da gentileza. Viajou pelo país e foi preso em uma ocasião, no Mato Grosso do Sul, para a indignação da população e imprensa locais.A partir de 1980, começa a registrar sua filosofia nas pilastras do Viaduto do Caju, zona norte do Rio, até a rodoviária, em pinturas de frases que atacam o capitalismo e professam o amor. As frases, que nada têm de desconexas, são construídas de uma maneira peculiar que, por vezes, parecem ter sido abstraídas de um transe religioso. É um grande livro urbano e todo o seu pensamento está resumido nas pinturas, como se fossem as “tábuas do Gentileza”. Depois de sua morte, em maio de 1996, por determinação da prefeitura, que visava melhorar o aspecto da cidade, os escritos acabaram sendo cobertos por uma tinta cinza que, por pouco, não destrói a obra de Datrino.

Vídeo de “Gentileza”, de Marisa Monte, contra a pintura da obra do profeta (Youtube)

Uma mobilização pública, encabeçada pelo professor universitário Leonardo Guelman e com o apoio de algumas instituições, conseguiu restaurar as pinturas em 18 meses de trabalho. Do esforço, surge, em 2000, o movimento “Gentileza gera Gentileza”, uma ONG sócio-cultural, fundada em Mirandópolis, próximo a sua cidade natal, com o objetivo de divulgar e perpetuar a sua palavra. Desde então, inúmeros projetos, entre eles livros, filmes e até desfile de escola de samba, têm rendido homenagem ao profeta e instituiu-se o dia 11 de abril como o “Dia da Gentileza”. As pilastras foram finalmente tombadas, através do decreto n. 19188, como Patrimônio Cultural da cidade do Rio de Janeiro e o legado de Gentileza está a salvo para as gerações futuras.

Para conhecer o projeto completo de Leonardo Guelman, acesse: Rio com Gentileza
Foto: site Rio com Gentileza


Aqui se fala português
Comentários (17)
  1. Wander Veroni comentou, em 28/07/2008:

    Oi, Lê!

    Mais um show de reportagem. Um personagem super interessante que acabo de descobrir, graças ao Babelo Ponto Com.

    Tô aqui revoltado com a prefeitura do Rio que mandou pintar tudo de cinza. Se ñ fosse a ONG, mais uma vez a história (popular) da cidade maravilhosa teria sido perdida.

    Já tinha escutado a música da Marisa Monte, mas nunca tinha ligado ela com essa história. Tudo bem, não sou fã #1 dela, mas quem não admira o trabalho da Marisa, não é mesmo!?! (rs!)

    O clip que vc postou é lindo e é um documentário (não sei se verídico) da história em questão.

    O que dá pano pra manga para o próximo post, pq não…hehehe…se deve tá me achando um “mala sem alça” com tanta sugestão de pauta. Mas é pq gosto do jeito q vc escreve: as suas abordagens são humanas e tem um toque de sensibilidade excelente.

    Adorei o post!!!

    Bjs,

    =]
    ____________________________
    http://cafecomnoticias.blogspot.com

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  2. Lucas Fernandes comentou, em 28/07/2008:

    Nossa!

    Agora fiquei todo arrepiado, como diria o jornalista da Rádio Itatiaia, Mário Henrique.

    Que sintonia! Te passamos o selo e você me aparece com um texto sobre o movimento que deu origem a ele. Pasmem, você buscou depois!

    Não dá nem para acreditar. Letícia, como sempre, impecável. Ótima abordagem. Até mais parceira.
    ___________________________________
    Ah! Hoje tem o desfecho do meme indicado pelo Café e a cobertura esportiva.

    http://semfronteirasnaweb.blogspot.com

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  3. Fran comentou, em 28/07/2008:

    Noooosssa. Agora eu entendi o que Fernando Anitelli quer dizer quando canta “gentileza gera gentileza” na música Não Sou Chico Mas Quero Tentar. (O Teatro Mágico)

    Obrigada pela informação, Lê.
    Quanto à qualidade do texto, nem precisa comentar, né? É impecável em todo os aspectos. ^^

    boa semana!

    Fran

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  4. Catarino comentou, em 29/07/2008:

    Muito boa sua postagem. Em nossa vida sempre que utilizamos gentileza obtemos melhores resultados.

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  5. Giih Manucelli comentou, em 29/07/2008:

    Nossa , adorei seu texto ,e obrigada pela informação , saber um pouco mais sobre o profeta Gentileza ,não sabia da história dele .

    beeijos
    esta lindo , estrei te colocando naminha lista de blogs , o seu é um que as pessoas precisam visitar .
    até..

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  6. Nany Mckenzie comentou, em 29/07/2008:

    Realmente muito bom,esse senhor teve muita garra e merece ser lembrado sempre . A música realmente é muito boa,apesar de gostar da Marisa Monte,nunca tinha escutado essa música.

    Parabéns pelo post e belo blog.

    Beijos. ;*

    Responder
  7. --Surtado* comentou, em 29/07/2008:

    colocando o filme ‘corrente do bem’ em ação!

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  8. medo comentou, em 29/07/2008:

    mt bom blog!!!
    parabensss
    abraçao

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  9. Sandro S. Sorte comentou, em 29/07/2008:

    Muito bom, eu não conhecia esse gentileza.E nunca podia imaginar que a música de marisa se referia a esse cidadão.A história dele é realmente bem interessante.
    Gosto muito de blogs que postam a história de pessoas ou situações que desconheço.
    Parabéns pela matéria, vc escreve muito bem!!!!!

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  10. Michell Niero comentou, em 29/07/2008:

    Parece até que combinamos, incrível!

    O profeta Gentileza faz parte de um rol de líderes messiânicos que tocam justamente nas fraquezas do brasileiro. Mexeu com o catolicismo, com sentimentos critãos e sugeriu um caminho, do mesmo modo que Antonio Conselheiro, Frei Damião e Padre Cícero.

    Pra gente que é de comunicação, existe um livro interessante, chamado “folkcomunicação”. Ele trata, dentre outras coisas, desses fenômenos de popularidade surgidos em meio a um Brasil marginalizado.

    Na minha matéria, faço um contraponto com outra figura urbana conhecida, ao menos aqui em Osasco, local aonde moro. Depois dá uma lida, se puder.

    Um abraço

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  11. DuDu Magalhães comentou, em 29/07/2008:

    hehehhehee

    Tanta gentileza…

    Chego até acreditar na bondado do homem…

    Muahahahahahhaa [risdas maléficas]

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  12. florestadeconcreto comentou, em 29/07/2008:

    realmente, é um patrimonio muito bonito da cidade do RIo^^
    sou carioca e sempre to passando perto da rodoviária, e sempre vejo as palavras escritas^^

    É importante preservar a nossa historia cultural.
    =)

    bjos^^

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  13. LUCAS DE OLIVEIRA comentou, em 29/07/2008:

    Grande reportagem!
    gostei muito do seu blog!
    voltarei aqui mais vezes!

    abçs

    Lucas de Oliveira

    Responder
  14. Bertonie JVinee comentou, em 29/07/2008:

    Puxa!! Bela reportagem!!
    Nunca tinha ouvido falar [desinformado eu, não?] desse Profeta Gentileza, mas achei muito linda a mensagem que ele pregava para as pessoas em pleno mundo pós-moderno e individualista.
    xD
    Tem post novo no meu blogue, hein?
    AH!!! Sabe aquela história de selos? Deixei um lá pra você!!!
    xD
    abraços

    Responder
  15. Ciça Alfaya comentou, em 29/07/2008:

    Eu ja tinha ouvido falar e apoio a idéia, “gentileza gera gentileza”! temos todos que nos coincientizar disto! Parabéns pelo blog e pela postagem.

    Aguardo uma visita sua no meu. Até mais!

    Responder
  16. Edu França comentou, em 30/07/2008:

    Gentileza é um personagem meu, pode acreditar… ele é um personagem literário sem igual na história da literatura!

    Bjs comadre sabidada

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  17. André Martins comentou, em 03/08/2008:

    Já havia escutado essa música.
    Quanto ao selo.. nunca imaginaria que ele dialogasse com essa exemplar história de vida.

    Muito bom o texo, Letícia.

    É uma pena terem apagado as, sábias, mensagens de Datrino.

    Obs: Impossível não associar sua imagem à de Cristo.. que coisa, não?!?

    Beijo!

    Responder

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