Domingo no parque: uma manhã no cemitério com Jim Morrison

Criado por Letícia Castro em em 08/09/2008

Paris. A “Cidade Luz” abriga um oásis de atrações, das mais sublimes às mais bizarras. Entre estas, está a peregrinação anual de milhares de fãs ao cemitério Père Lachaise, atrás de um improvável encontro além-tumba com Jim Morrison.

Há 40 anos, os The Doors conquistavam a Europa em uma mega turnê pelo continente. Morrison teve uma morte prematura em tempo e talento, aos 27 anos, provocada por overdose. Encontrado sem vida dentro da banheira em seu apartamento na capital francesa, Morrison passou para a história do pop/rock como um ícone cujo magnetismo e carisma se perpetuam e inspiram os tais encontros funéreos, a cada 08 de dezembro e 03 de julho, datas respectivas de seu nascimento e óbito.

No ano de 96, em pleno verão europeu, estive em uma dessas vigílias. Era um domingo de manhã, semana de aniversário da morte, e o passeio havia sido planejado meticulosamente, com o intuito de curtir a hipnótica vibe e registrar cada segundo do rendez-vous. Acontece que o Père-Lachaise é um shopping center de túmulos célebres. Famosos de toda categoria e logradouro acabaram sendo enterrados ali, meio que pela badalação mesmo.

Quanto entrei, munida de um mapa esquadrinhado conduzindo diretamente a Jim, deparei-me com personagens cuja admiração me turvaram o propósito. Wilde, Balzac, Chopin, Kardec, Piaf, Callas, estão todos lá numa balbúrdia que deve retumbar os alicerces quando cai a noite boêmia. De dia todos dormem, nenhum contato, infelizmente.


O túmulo de Morrison em um raro minuto de solidão. Abaixo, detalhe da lápide. (Fotos: Letícia Castro)

Hipnotizada em frente à sepultura de Abelardo e Heloísa, cujos restos mortais estão finalmente juntos em amor eterno, lembrei-me da razão de ter caído da cama e passado por uma via crucis de metrôs do centro até o 20º. arrondissement. Uma galerinha de mochilas nas costas virava à direita, na esquina do bloco, e deduzi que estávamos ali para o mesmo fim. Embriagada de amor, era a hora da lascívia, na ordem natural inversa das coisas, diante dos ossos (devidamente enterrados) de um dos homens mais sexies que já pousaram no planeta. Jim era assim mesmo, um extraterrestre chapadão, cujo olhar tira o fôlego e arrepia partes menos pudicas do imaginário feminino. Pena ter sido o chapado a prevalecer e termos ficado órfãos de sua inegável contribuição artística (entre otras cosas…).

O The Doors foi um fenômeno musical no final dos anos 60. A década, efervescência crua das mudanças de padrões artísticos, estéticos, políticos e de comportamento, viu surgir em seus últimos anos, a proposta de um rock místico, regado à arte alucinógena, cuja origem psicodélica tomou forma em uma expressão mais intelectualizada que imagética, de uma poesia subjetiva e esotérica, representada na pele de Jim, que a exalava por todos os poros. Exalava sensualidade também, diferentemente do alarde histriônico de Jagger, mas embutido de conteúdo lírico consistente que explodia no palco como um vulcão. Tudo embalado pelo inconfundível teclado de Ray Manzarek, que inspirou um sem-fim de bandas ainda por vir.


Touch me, The Doors (Fonte: YouTube)

Quando finalmente me postei diante da sepultura, depois de esperar que se dissipasse uma pequena aglomeração, percebi que, além de mim, havia um fã japonês, olhando ansiosamente ao redor e com uma moeda na mão. Perguntou, em inglês, se não tinha problema colocar a moeda numa caixa de areia, na parte superior do túmulo. Partner in crime, olhei para os lados, vi que os seguranças já não estavam por perto (há uma faixa de proteção em volta da campa) e disse: Go! Rapidamente, ele pronunciou algumas palavras em seu idioma (como eu quis saber japonês naquele instante!), arremessou a moeda, me sorriu e saiu. Ficamos Jim e eu, alone at last. Olhei para a cova e fiz uma expressão do tipo: “viu só?” Ele não viu, é claro. Fiquei alguns minutos mais ali, sozinha, uma garoa fininha começou a cair e, a ausência de um entorpecente próprio me trouxe de volta à realidade.

Entendi que o mito em si eram os fãs, peregrinos em silêncio, em eterno êxtase, saído de algo que os tocou profundamente, como um transe, como ratos de laboratório, transgênicos, nunca mais os mesmos. Entendi também porque eu, entre tantas coisas para se fazer em Paris, me encontrava em um campo santo em pleno domingão. Não sei explicar a ficha que caiu naquele instante, mas intuo que tenha a ver com o legado de Jim: once you’re touched, you can never let go.

Foto 1: The Doors – Fotos

Comentários (11)
  1. Rodrigo Piva comentou, em 08/09/2008:

    Que história, hein Lê? Demais!
    Só de ler seu artigo deu vontade de fazer esse passeio.
    Beijão

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  2. Wander Veroni comentou, em 08/09/2008:

    Oi, Lê!

    Que passeio hein, minha amiga! Tá aí uma coisa diferente que ainda não conhecia sobre a cidade luz. Ainda mais o Jim que é figura tão rara que parece que foi tirado de algum filme…rs. E por falar nisso, o filme que conta a história dessa banda é uma obra à parte…o ator parece ter ido direto de um centro de espírita para a gravação…hehehe. Quem não viu, vale a pena conferir! Adorei o seu relato e video que postou.

    Bjão,

    =]
    _________________________
    http://cafecomnoticias.blogspot.com

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  3. Alexandre Brendim comentou, em 08/09/2008:

    Jim Morrison foi sensacional, pena que morreu tão cedo…como todos os bons…

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  4. JVinee Bertonie comentou, em 08/09/2008:

    Oi dona Letícia :D
    Acho incrível isso que acontece com os grandes nomes (tanto da música, quanto das telas, dos palcos, das letras, etc…) que sempre morrem prematuramente. Triste isso. Jim Morrison foi brilhante, já estudei sobre ele em Movimentos Musicais Influentes. Pena que como todos os bons nos deixou cedo demais.
    xD
    abraços

    aceitas responder um meme?

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  5. Edu França comentou, em 09/09/2008:

    Sabe que o vocalista Stroks me lembra muito o Morrison, as caras, a pose, o clima ” décadent dégagé”… acho muito parecido. Gosto do The Doors… mas me senti um absoluto idiota a primeira vez que entrei Le Cimetière du Père-Lachaise, peguei aquele folheto na entrada e segui o périplo dos mortos importantes… e cada um, era mais um. Parei defronte a Balzac mortinho da silva, e ele não dozoa nada, Wilde mudo demais pra um falastrão como fora, Piaf tava lá túmulo da família, nem o passaro que tava por cima cantava… e fui caminhando, admirando os túmulos que são verdadeiras obras de arte, suntuosos, e cheguei no Morrison, que tbm não me disse nada! Me senti um imbecil, na saída puxei assunto com um daqueles senhores da limpeza e perguntei se aquele movimento era normal, ele me disse que era ainda pior e fez uma consideração que deu corpo ao que eu pensava: apontou para o instituto Descartes que fica defronte a saída oeste e disse se eu pudesse estava ali entre elas, quando olhei era adolescentes lindas e risonhas… saí de lá e pensei tanta gente brilhante aqui enterrada e quem me dá a lição é o senhor da limpeza. Hoje passou todos os dias pelo passeio do cemitério pq moro em Saint Ambroise e faço tudo a pé ao redor, mas nunca mais deixei de passar no institutoa pra ver as meninas bonitas fazendo vida!
    Voltei no Père-Lachaise lagumas dezenas de vezes com amigos visitantes, mas nunca mais esqueci nem deixei de dizer a quem me acompanhava quem me acompanhava que não há quantidade de mortos brilhantes que valham por um vivo medíocre… Gente é boa interagindo, gente fazendo gente, no sentido denotativo e conotativo!

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  6. Sammyra Santana comentou, em 10/09/2008:

    Lê… eu imagino memso a emoção que vc sentiu nesse dia… eu teria me demorado um pouco mais em Piaf e Callas e feito uma prece, rs!
    Deixei selinho pra ti nesse último post, viu?

    Ah, respondendo à sua pergunta, bem que eu tenho vontade de escrever um livro… Um dia vou sonhar com a história e puf! Voue screver! rs Mas… fiquei curiosa com essa pergunta…

    Beijo bem gigantesco pra tu, que eu vou add no msn! ;)

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  7. Kerol comentou, em 10/09/2008:

    Fiquei na duvida se ia visitar ou nao…ao clicar no nome do cemitério, abriu a web page do mesmo…
    Não preciso visitar mais, adorei a pagina do cemitério (sounds weird)…

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  8. Andréia Santana comentou, em 14/09/2008:

    Oi Letícia!
    Sou fã do The Doors.
    Adorei seu texto; e se eu tivesse condição de fazer um passeio em Paris, com certeza eu iria visitar o cemitério e teria a mesma atitude e a emoção que a sua.
    Bjos e tenha um ótimo domingo.

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  9. Art =] comentou, em 14/09/2008:

    história demais =D

    cliquei no link and….loco xDDD

    grande jim =D

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  10. molly comentou, em 15/09/2008:

    adorei o post!
    Esse cara…

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  11. GRACE comentou, em 15/09/2008:

    SHOW DE BOLA. QUEM SABE UM DIA EU VOU LÁ?

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