Aos donos da terra

Criado por Letícia Castro em em 19/04/2008


Neste 19 de abril, alguns dados e reflexões sobre o direito de propriedade, a condição do índio e uma correção de nomenclatura

“Curumim, chama cunhatã que eu vou contar…” (Jorge Ben Jor)

Índios Pataxós. Foto: Renato Nicolai


Sobre o Dia do Índio

México, 19 de abril de 1940.
“El Primer Congreso Indigenista Interamericano

Recomienda:

(…)

2.- Que los países de América adopten el día 19 de abril, como Día Americano del Indio para conmemorar la fecha en que por primera vez se reunieron los Delegados Indígenas al Primer Congreso Indigenista Interamericano en la Posada de Don Vasco de Quiroga en Pátzcuaro, Michoacán, República Mexicana, y en consecuencia;

Invita a los pueblos y gobiernos de América a participar en esa celebración.“ (fonte: http://www.indigenista.org/web/diaindio.html)

Tal congresso determinou a criação do Instituto Indigenista Interamericano, sob a guarda da Organização dos Estados Americanos (OEA), e seus objetivos são: colaborar com a coordenação das políticas indígenas dos Estados membros e promover trabalhos de investigação e capacitação de pessoas dedicadas ao desenvolvimento das comunidades indígenas. No Brasil, o então presidente Getúlio Vargas assinou o decreto n. 5.540, em 1943, que determinou que o país também comemorasse o “Dia do Índio” na mesma data.

Sobre a propriedade

Diz o IBGE:

“Segundo o Anuário Estatístico do Brasil 1999, publicado pelo IBGE, “terras indígenas” são os espaços físicos reconhecidos oficialmente pela União como sendo de posse permanente dos índios que as ocupam. Repare bem que o índio não é dono da terra, mas tem direito a fazer uso de tudo o que essa área contém: fauna, flora, água, jazidas, etc.“ (Fonte IBGE)



Sobre “usucapião”

Segundo a lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novo código civil brasileiro, o termo “usucapião” é definido da seguinte maneira, de acordo com os artigos abaixo:

“Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.”

“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”

Sobre os índios

Mas, afinal de contas? O que é o índio para o Brasil? Se analisarmos o que diz o IBGE, sua condição se reduz e equivale àquela da fauna brasileira, ou seja, seu “habitat” está protegido por lei, ele pode viver ali, etc., mas não tem direito à propriedade. Quando não se tem direito à propriedade e se vive “do favor” de alguém, o indivíduo passa a ser uma massa não participativa, que pode ser deslocada para lá e para cá, de acordo com as conveniências de quem lhe agracia tal condição.

Mas que condição? Por acaso esses povos todos já não estavam aqui há tempo o suficiente para configurar, pelo menos, o tal usucapião? Segundo dados de pesquisas arqueológicas, há pelo menos 12.000 anos. E, ainda depois de tanto tempo, não têm um pedaço de papel sequer onde apareça seu nome e declare, para que não haja dúvidas: “esse pedaço de terra é seu, ninguém pode tomar e também não pode ficar te empurrando daqui para acolá, quando outros interesses o tornem necessário.” Eu e você, leitor, temos direito a isso, eles não. Então, para a lei brasileira, é isso o que o índio é: uma espécie de cruza entre animal e ser humano que dá vida a um ser exótico, alienado dos direitos básicos de propriedade de qualquer outro cidadão do país.

A lei de usucapião cita o tal “bem público”. Falando sério: bem público? De quem? O único “público” que estava aqui, quando os portugueses chegaram, eram os índios. E, como “público”, assistiram de perto a todo o espetáculo de invasão, pilhagem, matança, etc. Será que eles pediram bis no final? Não se trata de doação. Trata-se da restituição de um espólio que lhes foi roubado. É como se a polícia encontrasse os objetos usurpados de um crime de furto e os retornasse aos seus devidos donos. Sim, teriam que devolver o território inteiro e isso não é possível. No entanto, tem que haver um esforço para se chegar a um acordo melhor do que o que está estabelecido. E muito mais proteção, pois, com freqüência, chegam notícias de invasões de reservas indígenas para o roubo da madeira. E, de invasão e roubo, vão vivendo os verdadeiros donos da terra. Há 508 anos.

Sobre o tal “descobrimento”, uma correção de nomenclatura

Segundo o dicionário escolar da língua portuguesa do MEC, entre algumas definições para “descobrir”, estão: “encontrar pela primeira vez”, “achar”, “dar a conhecer”. Ora, se o continente já era habitado! Quem estava aqui quando Cabral invadiu? “Ó Cabral, passa lá, dia 22, e toma um suco de jabuticaba com a gente.” Você, por acaso, já leu essa frase em algum livro de história? Claro que não, portanto, que não fique dúvida: Cabral não foi convidado, nem estava fazendo turismo (aliás, Cabral era um péssimo navegador, nem sabia para onde estava indo. Ou já sabia até melhor do que nós pensamos…). Tratou-se de uma “invasão”, com toda sua propriedade. Para não falar das outras coisas menos nobres que se seguiram. A história precisa começar a registrar o evento da seguinte maneira: “Portugal invadiu o Brasil a 22 de abril de 1500” e assim por diante. Não se pode voltar no tempo e modificar o curso dos acontecimentos, mas o que é verdadeiro deve começar a ser dito: é uma correção histórica que não há como negar-lhes.

O que o índio realmente representa para o Brasil e como fica a situação

A participação dos indígenas na formação do nosso povo apresenta suas características no quadro genético do brasileiro, para dizer o menos. De acordo com pesquisa recente dos Departamentos de Bioquímica e Imunologia e de Biologia Geral da UFMG revelou-se que, enquanto a maioria das linhagens paternas dos brasileiros é européia, cerca de 60% das linhagens maternas do povo brasileiro é ameríndia ou africana.

O curioso é que, apesar dos pesares, de um tempo para cá, a população indígena vem aumentando consideravelmente. Nos anos 50, segundo os antropólogos, estimava-se um número entre 68.000 e 100.000 habitantes. Atualmente, de acordo com a Funai, há 358.000 índios no Brasil (dados de 2005), distribuídos em 215 etnias, falando 180 línguas. Ao que tudo indica, a educação formal tem feito a diferença, posto que, quanto mais acesso à escola a população nativa tem, mais sente a necessidade de preservar o seu patrimônio e, em algumas reservas, o aprendizado é bilíngüe, o que permite que as novas gerações possam resgatar e registrar seus idiomas e costumes de origem.

Quanto a como fica a situação, resta reivindicar e torcer para que o novo crescimento demográfico traga ventos de esperança. Mas fica sim uma dica, para quem vier à São Paulo. Não deixe de visitar o Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz, região central da cidade. Você pode chegar lá de metrô ou de trem, estação Luz e é gratuito aos sábados. O museu apresenta um acervo riquíssimo de informações sobre os povos indígenas, seus costumes, regiões e influências no idioma. Há muito material em vídeo, áudio e objetos usados por eles no dia-a-dia. Todo brasileiro deve visitá-lo, pelo menos uma vez na vida.

Enfim, hoje é 19 de abril, Dia do Índio. Como diz a música de Ben Jor, lindamente interpretada pela Baby (do Brasil ou Consuelo): “Amantes da natureza/eles são incapazes com certeza/de maltratar uma fêmea ou de poluir o rio e o mar/preservando o equilíbrio ecológico da terra, fauna e flora/ Pois em sua glória, o índio/ É o exemplo puro e perfeito/ Próximo da harmonia/ Da fraternidade e da alegria/ Da alegria de viver!.” Úh-úh-úh-úh-úh-úh-úh-úh!

Recomendações:

Para ouvir:

“Sons dos índios”:
http://www.funai.gov.br/indios/sons/arandu.htm
“Todo dia era dia de índio”, Jorge Ben Jor.

Para visitar na Internet:

http://www.indios.info, site de Renato Nicolai, com um lindo trabalho fotográfico, feito por ele mesmo e dicionários online do vocabulário dos povos indígenas do Brasil. Interessantíssimo!

Para passear:

Museu da Língua Portuguesa: Praça da Luz, s/nº – próximo às estações da Luz de trem e metrô. Ingresso: R$ 4,00 Inteira – R$ 2,00 Meia (estudantes da rede pública) – Grátis para crianças até 10 anos e pessoas acima de 60. Sábado a entrada é franca.Horário: Terça a Domingo das 10h às 18h (A entrada de visitantes será permitida até às 17h).

Comentários (13)
  1. Fabio Bustamante comentou, em 19/04/2008:

    texto bem completo! tem simplesmente todas as informaçoes sobre o tema! gostei do seu blog, por tratar de temas da atualidade, com textos que explicam de maneira correta o assunto! parabens por ter um blog que interessa a qualquer um!

    http://www.futebolediscussoes.blogspot.com

    Responder
  2. carla m. comentou, em 19/04/2008:

    Muito bom o texto, com várias abordagens do assunto. E com toda a justiça, recolocando os pingos nos is.

    Responder
  3. Rodrigo comentou, em 19/04/2008:

    Realmente o merito e todos dos indios que cuidaram da terra ate os brancos a destrui-las ¬¬

    Responder
  4. Thiago Borges comentou, em 19/04/2008:

    Poxa, Letícia. Muito bom o texto sobre os índios, bem crítico e atual – não só por hoje ser o dia do índio, mas também por tudo o que estamos vendo acontecer em Roraima. Como disse o general do exército, o Brasil tem uma política indigenista muito falha. Parece que os índios não fazem parte da nossa sociedade, que nada influenciaram na cultura brasileira e que são eles os “invasores” da nossa casa. Mas o governo, a imprensa e nós mesmo agimos como os brancos europeus – apesar de toda a mistura da qual somos frutos. Agimos como agiam os primeiros brasileiros, que não sabiam sua identidade. Não se reconheciam nem como índios, nem como europeus (o que queriam ser) nem como africanos… vide obra do Darci Ribeiro. E hoje discutimos distribuição de terras aos índios (na verdade, parece mais um empréstimo feito a eles), cotas para negros nas universidades, etc… Mas será que ninguém é capaz de compreender que somos mais que membros de uma etnia? Como você apontou, a pesquisa da UFMG revela que não temos etnia. Somos um povo diferente, pô! Enquanto não nos reconhecemos, o Brasil sempre continuará neste mesmo caminho… Sempre será o país do futuro…

    Agora, sobre seu comentário… Aquele n]ao é o primeio episódio sobre a Glorinha… É uma história que comecei a contar há algum tempo, mas tive de parar… Claro que pretendo continuar, na medida do possível. Assim que puder, dá uma lida nos anteriores:

    1°: http://borgesthiago.blogspot.com/2007/12/glorinha-no-leito-de-morte-da-patroa.html

    2°: http://borgesthiago.blogspot.com/2008/01/glorinha-celebrao-fnebre.html

    3°: http://borgesthiago.blogspot.com/2008/01/glorinha-missa-da-ressurreio.html

    4°: http://borgesthiago.blogspot.com/2008/01/glorinha-leitura-do-testamento.html

    http://borgesthiago.blogspot.com/2008/01/glorinha-e-continua-leitura-do.html


    http://borgesthiago.blogspot.com/2008/02/glorinha-famlia-novamente-reunida.html

    7° – o atual: http://borgesthiago.blogspot.com/2008/04/glorinha-volta-por-cima.html

    Responder
  5. Raoni comentou, em 19/04/2008:

    Cuidado com o Racismo, Rodrigo.

    Bom, Parabéns pelo texto e pelo blog! Meu nome é Indigena, e como Brasileiro também tenho sangue indigena! E por isso nâo digo “Eu tenho um carinho especial por indios” por que eu sou ìndio. Falar dessa raça é estar falando de nós, brasileiros!

    Responder
  6. Osmar Mesquita comentou, em 19/04/2008:

    Muitoooooooooooo bem lembrado e homenageados….
    parabens pela postagem moça.
    esses sim são os guerreiros que ainda estao de pé…

    Responder
  7. Liz / Falando de tudo! comentou, em 19/04/2008:

    Nossa seu blog é super informativo…apesar de eu ser idia, tô por fora de tudo isso, acho que é a distancia…
    Beijos, eu volto!

    Responder
  8. Falando de Amor comentou, em 19/04/2008:

    Passando para deliciar-me com teus textos e desejar uma noite inspiradora para você…parabéns pelo texto postado…abraço poético!

    Responder
  9. carla m. comentou, em 19/04/2008:

    Letícia,
    linkei o Babel.com, com todo o prazer no meu blog. Eu já passava aqui antes, e sempre que venho tenho uma grata suspresa.

    Nenhum texto teu tem uma abordagem simplista, tenho certeza que tudo é fruto de pesquisa. E isso é tão raro e quando existe é tão mal usado, que quando eu vi o Babel, resolvi voltar sempre, por que é muito bom.

    Espero poder continuar voltando por muito tempo.

    Responder
  10. Euzer Lopes comentou, em 19/04/2008:

    Acho que você deveria mandar este texto seu para a Secretaria Estadual da Educação. Falando sério.
    Além de uma fonte excelente de pesquisa, um manifesto à consciência.

    Publiquei a terceira parte da história de Pepe. Agora acaba!

    Responder
  11. Lopezz comentou, em 20/04/2008:

    olha, muito bom seu texto, como sempre
    Concordo com o Euzer, mande seu texto para alguma autoridade (in)competente.

    Atualiza mais o blog, Letícia! Adoramos seus textos =]

    Só uma observação: Cabral sabia sim para onde estava indo. Atualmente todos os historiadores concordam que Portugal já tinha conhecimento destas terras e mandou uma expedição para tomar posse.

    valeu pelo comentário no meu blog =D

    abraço!

    http://www.therockzoo.blogspot.com

    Responder
  12. Silvia comentou, em 20/04/2008:

    Oi filha,

    Texto maravilhoso e verdadeiro, muitos dos brasileiros não lembra dos indios que dirá dessa data.Vou ser repetitiva… Parabéns mais uma vez, ORGULHO é o que sinto de você.
    com amor

    su mamita

    Responder
  13. MatheusS comentou, em 20/04/2008:

    Sempre tão complicada a questão dos indíos né? Aqui no Acre, temos uma afinidade especial com os povos indígenas. Desde o nome (Acre = Aquiri = Rio dos Jacarés, na língua dos Apurinãs) até a criação de uma Secretaria de Estado dos Povos Indígenas.. e esse tema sempre me chamou atenção, já fiz um estudo sobre a tribo Kampa, a mais tradicional da Amazônia. Eles são muito interessantes, tem acesso à internet e ‘se dão bem’ com o homem branco. Aqui se valoriza e se faz muito por eles, o resto do país deveria seguir o exemplo..

    Bjos!!
    ^^

    Ahh, tem presentinho lá!!

    Responder

Escreva um comentário